Andando e trançando. Os dedos de Jeyson seguem o caminho da costura automaticamente. Como quem aperta um botão, ele inicia o crochê e só para quando é obrigado mesmo. Até na carona do mototáxi ele dá um jeito de fazer. Se vira como pode, tanto no bordado quanto na vida
Talvez você já o tenha visto por aí. No ônibus, no shopping, na rua, com
o novelo debaixo do braço e a colcha a ser feita jogada no ombro.
Quando está no início, parte dela está dentro da mochila, para fora fica
só o que está sendo costurado. Como ali já são 144 peças e em torno de
cinco quilos de coberta, são os ombros que levam a costura adiante.
"Eu faço porque gosto, se aparecer alguém para comprar, eu vendo",
anuncia Jeyson Silva. O rapaz tem 25 anos, trabalha como Serviços Gerais
em uma construtora de prédios e se considera artista. Aprendeu tal arte
no presídio, seis anos atrás, quando pegou seis meses por furto.
O que
mudou dali por diante? "Tudo", responde ele. Foi onde encontrou o
caminho para uma igreja evangélica e diz ter abandonado o vício. A
motivação do crime foi essa, furtar para se drogar.
"Mas esse não é o único trabalho que eu faço. Eu também bordo ponto cruz
e faço vestido de noiva", conta. O último ofício, ele explica que por
não ter todo aparato e nem ateliê, não consegue sozinho, ainda.
A tal colcha é uma para cama king size e já está na fase do acabamento.
Deve ter ficado pronta hoje. Se fizesse só ela, sem cumprir o expediente
de oito horas diárias como serviços gerais, Jeyson chegaria ao fim em
15 dias. Mas a colcha que carrega nos ombros já lhe é companhia há quase
um mês.
"A gente dá um jeito sempre. Vontade e fé move qualquer pedra que
estiver no seu caminho", explica, sobre o crochê e a vida. Do ponto de
ônibus, ele anda por algumas quadras com os olhos fixos na agulha, até a
portaria do prédio, no bairro Carandá Bosque. O trajeto todo, de casa
até o trabalho, também é feito assim, de cabeça baixa, prestando atenção
nas trancinhas.
"Eu vou para o Serraville, na igreja onde frequento. Também ando no
ônibus, no shopping, qualquer lugar eu vou fazendo. Por quê? É o
entusiasmo. Eu sou um entusiasta, eu fico entusiasmado com o trabalho.
Quando não levo, fico apreensivo para voltar para casa e terminar",
descreve.
Pelas ruas, Jeyson conta que já foi abordado diversas vezes. A cena é
curiosa e ele acredita que se torna ainda mais peculiar por ele ser
homem. "Todo dia tem gente que me pergunta... Os homens são mais
preconceituosos, acham que é um trabalho feminino", diz.
Pergunto se ele sabe fazer o macramê. A resposta é um 'não', por
enquanto. "Fazer, fazer mesmo, não. É difícil, eu já vi fazendo, mas
nunca fiz. Mas não é por isso que vou morrer sem aprender".
O crochê feito nas caminhadas diárias ensinou ao rapaz muito sobre
valores, tanto do próprio trabalho quanto dos demais. "Você vê o
trabalho que dá. Fazer não é fácil, é um sacrifício. O que a gente
emprega tem um valor muito grande e a única coisa que eu espero é o
reconhecimento", afirma Jeyson. E este já veio em forma de 'parabéns'.
Ao longo de seis anos de costura, ele contabiliza mais de 400
cumprimentos.
"É o que todo artista espera. Ser reconhecido pelo trabalho que faz".
Depois de pronta, a colcha fica em casa e outra peça começa a tomar
forma. A ideia é fazer um jogo de quarto, então em seguida são as duas
fronhas, dois tapetes, cortina e a toalhinha do criado mudo, que por
enquanto ainda não tem comprador.
O preço médio, Jeyson fala que é de R$ 600, mas há quem venda até pelo dobro. Na bagagem, esta é a 16ª colcha de "valores".
"É gratificante pelo tamanho, quando você termina e vê um trabalho tão grande e se lembra que antes aquilo não era nada".
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